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Escrito por :Tito Aureliano Em :1 de abr. de 2011



Por Tito Aureliano & Aline M. Ghilardi

INTRODUÇÃO

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011.
Muitos de nós já havíamos escutado histórias sobre um gigantesco planalto escondido no coração da América do Sul, cujo cume escondido pela névoa preservava um intrépido mundo perdido esquecido pelo tempo. Um santuário onde dinossauros, pterossauros e outros seres pré-históricos reinam ainda nos dias atuais. 

A famosa história foi escrita por Sir Arthur Conan Doyle quase cem anos atrás, o clássico da literatura The Lost World, e tornou-se um marco do cinema nos anos 1920 através da majestosa produção de Willis O’Brien e seus bonecos de dinossauros animados em stop-motion. 


Imagem acima: Fotografia retirada do filme The Lost World exibe o cenário recriado em estúdio do planalto misterioso escondido no interior da América do Sul.
Imagem acima: Imagem retirada do filme mostra um dinossauro saurópode vivendo no alto do intrépido planalto.


Vídeo acima: The Lost World, 1925, produzido por Willis O’Brien.


Mas a pergunta que ficou em minha cabeça desde criança era se existia realmente esse planalto.

Nós encontramos o Mundo Perdido de Conan Doyle!

Visitando o interior do Brasil, nas regiões distantes do Mato Grosso, um titã resiste a dominação incessante dos fazendeiros ricos: um vasto planalto rodeado por uma floresta tropical primitiva.

O Portal da Serra do Roncador localiza-se entre os municípios de Barra do Garças e Nova Xavantina e corresponde a uma área de preservação ambiental extensa. Seu patrimônio, entretanto, expande seus limites para além da biodiversidade, mas como também para as riquezas geológicas, paleontológicas e arqueológicas da região. Os índios Xavantes têm a área como local sagrado, onde viviam seus povos antepassados. Diversas pinturas rupestres vêm sendo encontrados no Roncador, assim como novas cavernas, rios, cachoeiras e canais que levam para dentro daquele mundo perdido.


Minha companheira, a Paleontóloga Aline M. Ghilardi, e eu fomos até a região remota para averiguar e coletar o máximo de informações sobre o Mundo Perdido e suas histórias.

Reviramos as histórias de aventura sobre o desaparecido arqueólogo Colonel Percy Harrison Fawcett e sua eterna busca por ruínas da Cidade Perdida de Z, o livro de Arthur Conan Doyle e suas criaturas pré-históricas, e comentamos sobre a onda de esoterismo que ronda aquele planalto serão discutidos à sério nesse texto. Durante esse processo mergulhamos na mata, encontramos fósseis, fomos a sítios arqueológicos ainda não tombados e visitamos aldeias indígenas.

O que é real e o que é mito sobre a Serra do Roncador? Confira em seguida tudo o que foi documentado.

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011

VIDA SELVAGEM

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011

Embora extremamente ameaçada pelos fazendeiros locais e a exploração exacerbada, o local imediatamente próximo a Serra do Roncador resiste e se preserva graças aos esforços ambientalistas de poucos.

Aline M. Ghilardi realizou uma listagem da vida selvagem baseada em avistamentos durante nossas andanças pela região, sobretudo na subida até o topo oeste do Planalto. Levamos em consideração também informações de pessoas que vivem na região.

Foto Acima: Aline M. Ghilardi atravessando a fenda entre os penhascos no coração da mata. A única ligação entre a parte interior do Roncador e o mundo externo.

A vegetação exuberante de savana, cerrado senso strictu e cerrado campo sujo são paulatinamente substituídos por um cerradão ao aproximar-se do planalto, até que enfim toma forma uma úmida mata de galeria que acompanha os paredões areníticos de mais de 300m de altura e respinga na cascata que despenca do alto do Roncador. Reinam os Angelins, Ipês, o Pau-Brasil do Cerrado, a Cortiça do Cerrado, a Aroeira, a Taúba, o Jatobá, o Gonçalavo e a Sucupira. As lobeiras (ou mais conhecidas como fruta-do-lobo por ser um item importante na dieta do Lobo-Guará) são abundantes, assim como outras solanáceas típicas de cerrado.

OBS.: Grande parte das Malpighiáceas estavam em flor, durante nossa visita em meados de Março.

Algumas espécies de selva amazônica, embora menos abundantes, também permanecem no local, como o Cedro e algumas copaíferas típicas amazônicas. Temos indícios fotográficos antigos de que a fitofisionomia amazônica se via mais presente na área algumas décadas atrás. Entretanto, a exploração ilegal de lenha e também o processo natural de expansão do Cerrado fez torna-se menos abundante aquela outra vegetação na região.

Entorno de lagoas, os buritizais predominam.

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011

É importante enfatizar que a fauna certamente é mais extensa que a listagem abaixo. Pois baseamo-nos somente em avistamentos e relatos dos habitantes locais.

Mamíferos de pequeno a médio porte, com presença de espécies em extinção e outros:

· Anta;
· Cuíca, gambá;
· Macaco-Prego, Sagüi de tufo negro, Bugio e Macaco da noite (raríssimo – ameaçado de extinção);
· Morcegos frugíveros;
· Onça parda, Onça pintada (ameaçado de extinção), Pantera negra (raríssimo - ameaçado de extinção), lontra e Quati;
· Roedores grandes como a Capivara, a Paca, a Cutia, e o Preá;
· Tatu-galinha, Tamanduá-bandeira (ameaçado de extinção) e Tamanduá-mirim (ameaçado de extinção);
· Veado mateiro, Veado catingueiro, Porco do mato.

Répteis avistados foram poucos calangos do Cerrado e lagarto teiú. Entretanto, habitantes locais nos contaram sobre avistamentos de cascavel, jararaca, caninana, jibóia e sucuri (anaconda).

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011

As aves observadas são típicas de Cerrado, Pantanal e Amazônia. Lista de aves observadas (realizada por Aline Ghilardi):

Águia Cinzenta;
Alma-de-gato;
Andorinha do Rio;
Anu Branco;
Anu Preto;
Araçari castanho;
Arara Canindé;
Arara vermelha (raro – em extinção);
Asa Branca ou Pombão;
Bem-te-vi;
Bico-de-fogo;
Canário-da-terra;
Cavião carijó;
Choca-barrada;
Chopin;
Coruja branca;
Coruja Buraqueira;
Coruja Orelhuda;
Curicaca real;
Ema;
Encontro;
Fogo-apagou;
Garça Branca Grande;
Garça façeira;
Garça real;
Garça Vaqueira;
Gavião caboclo;
Gavião Cará-Cará;
Gavião Carrapateiro;
Gavião Peneira;
Gavião quiri-quiri;
Gralha cancã;
Irerê;
Jaçanã;
Jaó;
João-de-barro;
Maria cavaleira de rabo enferrujado;
Marreca Cabocla;
Noivinha;
Pássaro Preto;
Pato Anelado;
Periquito maracanã;
Periquito-de-encontro-verde;
Periquito-rei;
Pica-pau Branco;
Pitiguari;
Pombo doméstico;
Quero-quero;
Rolinha-asa-de-canela;
Sabiá-do-campo;
Saci;
Sanhaçu cinzento;
Siriema;
Suiriri;
Tucano Toco;
Tuiú;
Urubu de cabeça amarela;
Urubu de cabeça preta;
Urutau;
Xeréu;

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011.







Apesar da fabulosa história de Sir Arthur Conan Doyle, ao subirmos o planalto e desbravarmos a região, não encontramos dinossauros propriamente ditos, como na história. Pode-se dizer que nossos verdadeiros dinossauros eram as belíssimas araras-vermelhas que cantavam por entre os penhascos daquele mundo perdido.

Histórias de caçadores que desbravaram a região, entretanto, contam relatos de avistamento de criaturas misteriosas como o Mapinguari (o que deveria ser uma Preguiça Terrícola Gigante, como o Eremotherium), uma espécie de anta gigante, um cervo imenso, um misterioso lagarto colorido com gola e uma criatura reptiliana aquática de caverna.


GEOLOGIA E PALEONTOLOGIA

Fonte: Aline M. Ghilardi, 2011.
Apesar de não haver criaturas pré-históricas ainda vivas naquela região, o Roncador possui uma vasta riqueza de fósseis e uma extensa história geológica.

Durante o período compreendido entre 470 a 400 milhões de anos atrás, havia um mar raso onde hoje é a região do Roncador, próximo ao Rio Araguaia. A vida nesse momento se diversificava e conquistava seus primeiros estágios no continente. As primeiras plantas terrestres e os primeiros animais terrestres se desenvolveram nesse momento.

Os depósitos Ordovico-Siluriano e Devonianos estão contidos em seqüencias da Bacia do Paraná, por vezes subdividida (para os depósitos Devonianos) em Bacia do Alto Garças e Bacia de Apucaranã.
Imagem acima: A Bacia do Paraná e os depósitos Devonianos.
Fonte: Freitas-Brazil, 2004.
Imagem acima (autoria desconhecida): Reconstrução artística da vida durante o Período Ordoviciano. A vida se restringia ao mar. Domínio de invertebrados.

Imagem acima (autoria desconhecida): Reconstrução artística da vida durante o Período Siluriano. As primeiras plantas terrestres se desenvolveram naquele momento.
Imagem acima (autoria desconhecida): Reconstrução artística da vida durante o Período Devoniano. Momento destacado pela grande diversificação dos peixes e pelo surgimento dos primeiros anfíbios e florestas.
 Vídeo acima (Fonte: Sea Monsters, BBC): Reconstrução da vida durante o Período Ordoviciano. O viajante no tempo vai de encontro com as criaturas que viviam à época e nos apresenta como deveria ser o ambiente do Mato Grosso 480 milhões de anos atrás.

Na Região de Barra do Garças até o Portal do Roncador predominam afloramentos Ordovico-Silurianos e Devonianos em depósitos marinhos de baixa energia. Argilitos, filitos e arenitos de granulação fina de coloração arroxeadas contém fósseis de crinóides, braquiópodes e trilobitas de mais de 400 milhões de anos de idade.

Rochas da região com leve presença de metamorfismo em suas rochas. Concreções com formas geométricas triangulares foram encontradas. A porção de afloramentos contida no Portal do Roncador é composta por filitos e argilitos intercalam com depósitos conglogmeráticos de alta enegia, indicando alternância de ambientes de deposição.

Foto acima (coleção da Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente): Fóssil de equinodermo crinóide Orcovico-Siluriano encontrado na região de Barra do Garças.
Foto acima (coleção da Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente): Fósseis de equinodermos crinóides e um gastrópode Orcovico-Silurianos encontrados na região de Barra do Garças.
Foto acima (coleção da Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente): Fóssil de braquiópode do Orcovico-Siluriano encontrado na região de Barra do Garças.
Imagem acima (Foto: Aline M. Ghilardi): Bioturbações em arenito do Devoniano.

ARQUEOLOGIA

Imagem acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): O guia Durval Oliveira nos mostra sítios arqueológicos ainda não tombados, na região do Vale dos Sonhos, Serra do Roncador.

Durante o início o século XX, o lendário explorador inglês Col. Percy Harrison Fawcett foi enviado pela Royal Geographical Society para a América do Sul, a realizar um mapeamento definitivo entre as bordas entre o Brasil, Peru e Bolívia nos tempos do Ciclo da Borracha. Durante as diversas expedições encontrou e fez o primeiro contato com diversas etnias indígenas. Descobriu e mapeou também, diversos sítios arqueológicos na Bolívia e Brasil (Acre, Rondônia e Mato Grosso).

Após conseguir evidências de artefatos arqueológicos palpáveis, Col. Fawcett lutava pela idéia de que haveria ruínas de uma civilização antiga no interior do Mato Grosso. Uma civilização inédita, ainda desconhecida pela ciência. Diferentemente daquelas andinas (Incas, Tiwanaku e Nazca), a “Cidade Perdida de Z” estava imersa na Amazônia, maior floresta tropical do mundo. Arqueólogos à época eram muito conservadores e tomavam como impossível o conceito de uma civilização como a de “Z”, ou El Dorado, ou qualquer outra tivesse se desenvolvido em locais tão intrépidos. O local fechado da mata impossibilitaria que qualquer grupo de humanos pudesse se desenvolver além de um estado Paleolítico.

Durante o final de sua vida, Fawcett dedicou-se a realizar diversas expedições pelo Mato Grosso, até que enfim desapareceu de vez em 1925, em sua última expedição, junto ao seu filho de 21 anos, Jack Fawcett, e o amigo dos dois. Os três se dirigiam para o norte do Mato Grosso e sumiram depois de cruzarem a Serra do Roncador e mergulharem na Amazônia.

Foto acima (autoria desconhecida): Percy Harrison Fawcett durante os anos 1910.
Foto acima: Lost City of Z, The – David Grann: livro recomendado para os que querem ler uma reportagem séria, precisa e concisa sobre o Col. Fawcett e suas expedições na América do Sul.
Até o que é conhecido pela ciência dos dias atuais, não foram encontradas ruínas no Roncador. Entretanto, algumas pesquisas vêm sendo levantadas e existem indícios, sim, de uma civilização que povoava a Amazônia. Pesquisadores como Dr. Alceu Ranzy e Dr. Michael Heckenberger desenvolvem as pesquisas no Mato Grosso e no Acre, onde foram encontrados geoglifos enormes escondidos na selva. Aqueles são os rastros do que restou de grandes muralhas de madeira, com templos e habitações, sistemas de estradas que se interligavam por toda da Amazônia. O maior geoglifo encontrado está ao norte do Mato Grosso, na direção que Fawcett foi durante sua última expedição.

Outros já dizem, os esotéricos, que há um portal místico no Roncador. Um portal para outro mundo, uma civilização desenvolvida. Col. Percy Fawcett teria descoberto esse mundo e nunca mais voltado. Até hoje, a região recebe grande número de visitantes destinados aos rituais de meditação que a região proporciona.

Todavia, descrevo no texto o que nós encontramos e documentamos no Roncador, guiados por Mauro da Silva e Durval Oliveira. Fotografias de algumas peças encontradas e recuperadas pelo Historiador Wilson Oliveira.

Através da análise das ferramentas líticas encontradas, os indícios são de que os primeiros habitantes da região do Alto Araguaia chegaram por volta de 12000 anos atrás e se diversificaram por volta de 5000 atrás. Ocupavam cavernas e grutas, e as ilustrações são comuns entre eles. A mais comum são os "círculos sobre círculos”, encontradas em diversas localidades.
Foto acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): Durval de Oliveira nos mostra um dos sítios que descobriu, ainda não tombado, no Vale dos Sonhos. A gruta que havia sido abrigo de homens pré-históricos mais de 5000 anos atrás.

Foto acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): Pés e mãos são bastante representados em cavernas do Vale dos Sonhos.
Foto acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): Ferramentas líticas encontradas na região indica povos de até 12000 anos. Peça tombada na Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente.

Foto acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): Ferramentas líticas encontradas na região indica povos de até 12000 anos. Peça tombada na Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente.

Foto acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): Ferramentas líticas encontradas na região indica povos de até 12000 anos. Peça tombada na Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente.

Foto acima (Fonte: Aline M. Ghilardi): Rocha histórica retirada do fundo do Rio Araguaia contém as gravuras em baixo-relevo com mais de 5000 anos.

ANTROPOLOGIA

Foto acima (autoria: Aline M. Ghilardi): Menina Xavante observa os visitantes longínquos.
No Brasil existem 554 reservas indígenas reconhecidas pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI). Uma área total de 946.452 km², o que corresponde a mais de 10% do território brasileiro e é equivalente aos territórios da França e Grã-Bretanha somados juntos. A população indígena estimada em mais de 330.000 habitantes. Novas aldeias vêm sido descobertas, mapeadas e contatadas pela FUNAI ainda nos dias de hoje. Porém, ainda há grupos indígenas que nunca foram contatados pelo mundo externo.

Com tamanha diversidade cultural e lingüística, o Brasil é considerado o país com maior variedade de línguas. Realidade a qual estão alheios a maior porção dos brasileiros. Em contraste com o Brasil que veste o paletó e destaca-se cada vez mais no cenário econômico mundial, estão os sábios antigos, seus primeiros habitantes mantendo seus costumes e línguas, defendendo seu povo e até guerreando entre si em um outro Brasil eternamente exótico e livre.

Foto acima (Fonte: FUNAI): Reservas e outras áreas indígenas do Brasil.
No Mato Grosso há uma grande variedade de reservas indígenas espalhadas por todo o estado. A região compreendida entre o Rio Araguaia, o Rio das Mortes e o Xingu contém diversas etnias indígenas. Uma das tribos guerreiras mais violentas, os dominantes de quase toda a porção do Roncador, são os Xavantes.

Mapa acima (Autora: Juliana Freitas da Rosa): Reservas indígenas do Mato Grosso. Número 2 representa os territórios Xavantes, etnia dominante na região do Roncador.

Os Xavantes - autodenominados A´uwe (“gente”) - somam hoje mais de 15.000 pessoas abrigadas em diversas Terras Indígenas localizadas na região compreendida pela Serra do Roncador e pelos vales dos rios das Mortes, Kuluene, Couto de Magalhães, Batovi e Garças, no leste do Estado do Mato Grosso. Afora as Terras Indígenas Chão Preto e Ubawawe, que são contíguas a TI Parabuburé, as demais terras Xavantes - Marechal Rondom, Maraiwatsede, São Marcos, Pimentel Barbosa, Areões e Sangradouro/Volta Grande (essa última, a aldeia que eu visitei em Março de 2011) - são geograficamente descontínuas.

Uma região rica em biodiversidade e, portanto, diretamente interligada ao modo de vida tradicional indígena de caça e pesca, essa região vem sofrendo impactos ambientais desde a década de 1960, devido ao descaso, à exploração ilegal de madeira e à agropecuária extensiva, processo intensificado pela crescente produção de grãos para exportação, em especial, a soja.

Os fazendeiros do Mato Grosso quase sempre mostram descaso quanto aos crimes ambientais, que ocorrem dia a dia. Ilegalidades são constantes, mas em lugares mais remotos, a Lei nem sempre chega como devia, uma pessoa cuja identidade preservo comigo comentou comigo durante minha última viagem à região.

Durante o fim dos anos 1940, a campanha do SPI (Serviço de Proteção aos Índios) fez surgir a fama dos Guerreiros Xavantes por seu trabalho de “pacificação” da tribo em questão. Fato curioso é que na versão Xavante da história foram os “brancos” os “pacificados”. De meados da década de 1940 a meados da de 60, grupos xavante específicos estabeleceram relações pacíficas diversificadas com representantes da sociedade envolvente – representantes diferenciados entre si, incluindo equipes do SPI, missionários católicos e protestantes.


Foto acima: Em tempos dos primeiros contatos entre ‘warazu’ (aquele que vem de longe, na lígua deles) e os Xavantes, na primeira metade do séc. XX. Fonte: http://img.socioambiental.org
Os agentes do contato e missionários cristãos influenciaram no modo de vida dos Xavantes. Crenças Religiosas, bem como algumas instituições sociais e práticas cerimoniais foram afetadas. Eu mesmo me recordo de discutir sobre a literatura Espírita de Alan Kardec com o Sub-Cacique Jacó. Apesar desses impactos, a Cultura Xavante continua a se manifestar com extrema vitalidade, sendo retransmitida de pai para filho. Suas comunidades, contudo, são politicamente autônomas, ainda que às vezes se unam para atingir objetivos comuns. Entretanto, guerras entre os próprios Xavantes também já ocorreram.


Vídeo acima: Trailer do documentário “Estratégia Xavante” que narra a estratégia visionária do cacique Ahopowê, da tribo Xavante, que, em 1973, propôs a sua tribo o envio de oito meninos para serem criados por famílias de brancos na cidade de Ribeirão Preto, em São Paulo. O objetivo era conhecer a cultura do inimigo para melhor combatê-lo e, conseqüentemente, preservar a autonomia da tribo. Fonte: http://www.ideti.org.br/projetos/video_doc.html


Visitando a Aldeia de Sangradouro

Foto acima (By Aline M. Ghilardi): O Pajé Aldo, 98, o Senhor mais idoso que eu já conheci, Pajé da Aldeia Xavante Sangradouro, contempla seus visitantes longínquos e nos observa em reflexão.


Mauro da Silva, Aline e eu fomos visitar a extensa aldeia Xavante Sangradouro, localizada próximo a BR que leva à Cuiabá, a altura de Primavera do Leste. Na região do Rio das Mortes.

Eles dizem viver uns 200 anos, disse Mauro da Silva, ambientalista que nos guiou até as aldeias. A alimentação deles é muito superior à nossa: nada de sal, açúcar... isso tudo envelhece o homem.

Pajé Aldo me fitava com um olhar nostálgico indecifrável. Ao olhar minha alma e me observar, ele pôde nomear-me guerreiro em sua tribo, com a tradicional gravata de algodão Xavante com uma pena projetada para trás da cabeça do usuário. Mais tarde, ganhei também a pena de águia, por ser um guerreiro observador. Ao final, Pajé Aldo entregou-me uma Burduna, uma espécie de tora adornada com penas de arara, muito resistente. Assemelha-se em formato de apoio a uma katana dos Samurais, mas é uma tora contínua, sem lâmina, com forte poder de impacto para quebrar ossos. Eles usam para caça e guerras.

Eu estou lisonjeado.

É um título muito raro de um ‘Homem Branco’ conseguir, afirmou Mauro da Silva, nosso guia, impressionado. Eu conheço os Xavantes desde criança e até você, eu só tinha visto outros dois ganharem a gravata de Guerreiro.

Foto acima (By Mauro da Silva): Aline e eu levando alimentos básicos e carne vermelha para fazer uma oferta a duas Aldeias do Sangradouro, a do Pajé Aldo e a de Jacó e Pajé Bernardo. A importância de contribuir para essa aldeia é que ela funciona como uma creche enorme, onde as crianças vivem e aprendem na escola sua língua, com Mestre Jacó, até estarem prontas para fazerem sua iniciação como guerreiros, em outra aldeia Xavante.
Em um mundo de mudanças, disse o sábio Pajé Aldo, onde os ‘warazu’ se desenvolvem cada vez mais na tecnologia, sobretudo de guerra, nós, os A´uwe não podemos ficar para trás.

As doenças de hoje, disse o Sub-Cacique Jacó, um dos únicos que falam Português com fluência, não são as doenças de antigamente. Necessitamos de cuidados extras para não adquirirmos doenças relacionadas com o que os ‘warazu’ trouxeram. Hoje consideramos importante utilizarmos suas roupas, afora rituais cerimoniais, por uma questão de controle da higiene.

Foto acima (By Tito Aureliano): Sub-Cacique e Professor Xavante, Jacó nos conta sobre sua cultura e seus costumes.

Ao perguntarmos o motivo de todos na aldeia estarem de cabeça raspada, Jacó nos explicou:

Estamos de luto. Perdemos uma menininha aqui na aldeia faz poucos dias. Raspamos a cabeça quando alguém de nossa família morre.

Por coincidência, o nome indígena da menina falecida era semelhante em pronúncia ao de Aline, minha companheira. Houve grande comoção quando perguntaram e Aline lhes respondeu seu nome. Foi recebida também com muita amizade e ganhou um colar.

O clima de luto também cessou quando nós distribuímos dinossauros para as crianças, que pulavam de alegria.

Foto acima (By Aline M. Ghilardi): Eu vou me lembrar para sempre o rosto das crianças Xavantes quando eu as presenteei com meus vários bonecos de dinossauro. Falavam rápido em sua língua e terminavam a fala em uma exclamação “Dinossauri! Dinossauri!”. Elas estavam fascinadas. Eu não consigo descrever a sensação de trazer alegria e inspiração para crianças. Entreguei os brinquedos sob pedido de uma das anciãs que toma conta das crianças. Ela dizia a mim que lá nenhuma criança tinha brinquedos. Imaginem só?

Agora, pelo menos, têm um monte de dinossauros!
Foto acima (By Mauro da Silva): O Pajé Bernardo, 90, irmão do Pajé Aldo, realizando o ritual de cura Xavante que consiste em uma série de cortes em vertical, paralelos, pelos braços, costas e pernas, com o intuito de fazer sangrar, para então aplicar as raízes moídas. Eu melhorei de meu resfriado no mesmo dia.
Foto acima (By Mauro da Silva): Minhas costas após os cortes e aplicação das raízes. Imediatamente, o remédio entra na corrente sanguínea e começa a fazer efeito.
Meu objetivo, disse Jacó, é que em alguns anos nenhuma criança esteja falando o Português, somente o Xavante. Assim poderemos manter nossa cultura e renová-la, geração a geração.

Foto acima (By Tito Aureliano): Crianças curiosas chegaram perto de mim.


PROTETORES DO SANTUÁRIO


Mauro Ferreira da Silva (fotografia ao lado) é conhecido como “Maurinho do Roncador”. Proprietário da fazenda Portal do Roncador, localizada imediatamente aos pés do planalto de mesmo nome. Seu Mauro, entretanto, não é um mato-grossense proprietário de terra comum: ele optou por não desmatar e acabar com a biodiversidade da região. Pelo contrário, ele trocou a vida ambiciosa e agitada do garimpo por um local calmo, onde vive em uma casinha, cria umas poucas vacas e deixa a mata crescer ao próprio gosto. Ele preserva a região selvagem que a cada dia toma mais força graças aos seus esforços ambientalistas. Fundador da ONG do Instituto Ecológico Portal do Roncador, Seu Mauro realiza fiscalização e apreende pesca e caça ilegais na região. Hoje já conquistou respeito na região e o ódio por aqueles que cometem crimes ambientais. O maior problema é que sua ONG carece de financiamento e necessita de mais incentivo público. Para ajudar com os custos, Seu Mauro acredita em um desenvolvimento sustentável e está construindo uma pousada com poucos quartos e camping, destinados àqueles apreciadores da natureza. No local são proibidos a música alta, a bebida, as drogas e os vícios que destroem o homem. Ele já recebeu diversos visitantes curiosos, dentre eles, inclusive o falecido Timothy Fawcett, sobrinho do famoso explorador inglês de mesmo sobrenome. Lá se pode observar uma Natureza belíssima e rara, com araras vermelhas cantando todo o tempo, macacos que vivem nos penhascos, o som da cachoeira e um pouco raramente, urros da pantera negra. Seu Mauro encontrou também alguns sítios arqueológicos no Roncador, ainda não-tombados.
Para conhecer mais sobre Mauro, sua Pousada e seus projetos:

· Site: http://www.maurinhodoroncador.com.br/
· Celular: +55 66 99746844


Durval Ferreira de Oliveira (fotografia ao lado) é agente de turismo na região de Barra do Garças e aos arredores. Essa é a primeira pessoa que eu aconselho que qualquer um que queira conhecer a região entre em contato primeiramente. Ele defende a divulgação científica e prioriza a conscientização da preservação do Patrimônio Histórico e Ambiental em torno do Roncador. Ambientalista ativista, abraça a causa de preservar a região do Roncador e entorno. Durval também já encontrou diversos sítios arqueológicos na serra, alguns dos quais ainda não estão nem sequer tombados. Pinturas rupestres e objetos estão esperando pelo tratamento devido. Ele busca hoje contatos de cientistas em todo o mundo em busca de fazer despertar o interesse na região e promover desenvolvimento intelectual. Durval começa agora um projeto que criação de um camping e albergue em sua casa às margens do Rio Araguaia destinado àqueles que curtem a natureza e apreciam a tranqüilidade, sem custos elevados.
Para entrar em contato com Durval, conhecer seu camping e tirar dúvidas:

· E-mail: tiodurvas@hotmail.com
· Celular: +55 66 99783902

Nina Ferreira de Oliveira Douzan (fotografia ao lado), irmã de Durval e Wilson. Gestora do Patrimônio, professora e acadêmica em Arqueologia e Antropologia do Mato Grosso da região da Serra do Roncador. Contém diversas peças e artefatos arqueológicos encontrados na região e espera financiamento da prefeitura para a criação de um museu na cidade, onde as peças regionais possam ser devidamente depositadas e estudadas.



Wilson Oliveira (fotografia ao lado), irmão de Durval e Nina. Historiador, Arqueólogo amador e Político ativo. Promove a divulgação científica do Patrimônio Histórico da região compreendida entre o Araguaia e o Xingu. Já encontrou diversos sítios arqueológicos junto ao irmão Durval. Contém diversas peças tombadas junto à Associação Araguaia de Antropologia e Meio Ambiente e está lutando por verbas públicas para construir o Museu do Homem do Araguaia.

Para entrar em contato com Wilson e tirar dúvidas:

· Blog: http://profwilsonaraguaia.blogspot.com/


CONCLUSÃO

A região fantástica da Serra do Roncador, Mato Grosso, contém um patrimônio de valor inestimável para contribuir com diversas áreas da Ciência.

Uma conscientização deve surgir, por parte da população matogrossense, sobretudo por parte dos fazendeiros e os que detém o poder. Enquanto pensam na produção prática, atropelam qualquer tentativa de um desenvolvimento sustentável e destroem gradativa e irreversivelmente um mundo precioso.

Esforços como o de Mauro da Silva (maurinhodoroncador@gmail.com) e Durval de Oliveira (tiodurvas@hotmail.com) devem ser estimulados. Qualquer um interessado em contribuir, pode entrar em contato e fazer uma doação. Todos estão convidados a visitarem e realizarem tours pelo Mundo Perdido, e ao mesmo tempo, contribuindo para a preservação do mesmo.

Restam poucos "Mundos Perdidos" na Terra. Preservem!


BIBLIOGRAFIA

. Conan-Doyle, Arthur. Lost World, The. 1920.

. Freitas-Brazil, F. A.. Estratigrafia de seqüências e processo diagenético: exemplo dos arenitos marinho-rasos da Formação Ponta Grossa, Noroesta da Bacia do Paraná. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Faculdade de Geologia. Rio de Janeiro, 2004.

. Grann, David. Lost City of Z, The. 2009.

http://www.itaucultural.org.br/arqueologia/

http://pib.socioambiental.org/pt/povo/

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